Temos atualmente em tramitação 02 Projetos de Lei (PL) que versam sobre transformar os clubes de futebol em sociedades empresárias em tramitação no Congresso Nacional: o PL nº 5.082/16, já aprovado na Câmara dos Deputados, e o PL nº 5516/19, em discussão no Senado.
Os dois PL possuem pontos em comum. Foram inspirados no futebol europeu, visam atrair investidores e aumentar a fiscalização sobre os dirigentes e empresários. A adesão dos clubes é voluntária nas duas propostas.
Contudo, o ponto principal de ambos os PL é idêntico: colocar fim às dívidas dos clubes.
De forma resumida, as diferenças estruturais de cada projeto basicamente se dão no fato de que o PL aprovado na Câmara do Deputados não impõe uma forma societária e uma legislação específica para os clubes de futebol que optarem por se transformar em empresa, além de sugerir a implementação de taxas de juros especiais para os clubes financiarem suas dívidas, com certa participação estatal (o denominado Simples-fut).
Já o PL em discussão no Senado cria a SAF – “Sociedade Anônima do Futebol -, com um conjunto de regras específicas para este novo tipo societário, além da criação das debêntures-fut (títulos de dívida que uma empresa lança no mercado para captar dinheiro) e de um regime de tributação diferenciado com alíquota única de 5% para os clubes que virarem empresa (chamado de Re-fut).
Ao nosso ver, o projeto que cria a SAF (o PL em discussão no Senado) parece mais estruturado e vem com uma proposta de modernização profunda da legislação societária e desportiva brasileira, muito semelhante com o que ocorreu em Portugal com a criação das SAD (Sociedade Anônima Desportiva). Porém, discutir os PL não é o objetivo deste artigo.
Feitas estas considerações, queremos perguntar ao gestor de um clube de futebol: você sabia que independentemente dos PL em tramitação no Congresso nacional já é possível profissionalizar a gestão do seu clube e transformá-lo numa sociedade empresária?
Sim, é plenamente possível (e recomendável!).
A Lei Pelé e suas alterações posteriores permitem a possibilidade de operacionalização imediata desta transformação.
E por que sugerimos realizar a transformação do clube em uma empresa?
Porque modificar a gestão de uma associação civil (“Clube”) para um modelo de sociedade empresária (“Clube Empresa”) faz com que todos os benefícios que a legislação e o mercado concedem às empresas sejam também possíveis de serem aplicados aos clubes, possibilitando a implementação estratégica de uma reestruturação de dívidas.
Segundo levantamento recente realizado pela empresa Sports Value, o passivo somado dos clubes de futebol da série A do Campeonato Brasileiro chegam a 6,9 bilhões de reais.
Vejamos as vantagens do modelo Clube Empresa para a estruturação de dívidas, todas elas passando pela geração de capital novo e pela administração de passivos:
A tomada de crédito junto às instituições bancárias, que avaliarão a correta documentação societária e o modelo de gestão implementado no Clube Empresa, se dá de maneira muito mais fácil, rápida e vantajosa do que para um modelo de associação civil arcaica e “engessada”.
Em regra, onde um investidor alocaria seu capital de maneira consciente visando o retorno dos lucros? Resposta: onde ele enxergar menos risco ao seu investimento.
Obviamente, um projeto que demonstre possuir uma gestão profissionalizada, clareza de regras de governança e com escrituração de números precisos e claros, ainda mais se ele (investidor) puder participar das tomadas de decisão, atrairá investimentos consistentes e substanciais ao clube. Além do mais, receber aportes de investimento numa empresa é algo que pode ser realizado de inúmeras formas e através de modelos de investimentos diversificados, ao passo que numa associação civil eles e dariam apenas através de um “mútuo”, geralmente realizado por um “mecenas apaixonado” pelo time do coração.
Um clube de futebol, enquanto associação civil “destinada à pratica e ao fomento do desporto”, possui receitas limitadas, sendo elas as usuais: mensalidade dos associados, verbas advindas de publicidade, direitos de transmissão dos seus jogos (as chamadas “cotas da TV”), vendas dos direitos federativos dos atletas e a bilheteria dos jogos (para aqueles que possuem estádios próprio, ainda contam com a receita de aluguel do local para eventos e shows).
Agora pensem na gama de possibilidades que uma empresa possui. Pensem numa empresa cujo objeto social tem como escopo além da atividade de gestão de futebol profissional a participação em outras empresas. As possibilidades são infinitas e na mesma medida seria a expectativa do aumento do faturamento e da pulverização das receitas (o que diminui o risco do negócio).
Como exemplo de estruturação de novos negócios, o Benfica de Portugal constituiu-se em formato de SAD (sociedade Anônima Desportiva) e hoje possui um “braço” imobiliário que com gestão separada e centro de custos exclusivo para empreendimentos no setor, especialmente no entorno do Estádio da Luz, cujo parte das receitas gerem os projetos imobiliários e uma outra parte é destinada a investimento no futebol, fazendo o time possuir poderio financeiro elevado para a aquisição de atletas e para implementação de modernizações na sua estrutura de treinamentos. Os resultados são o os “ganhos em campo”, o que atrai mais parcerias, mais patrocinadores e mais investidores, consequentemente.
Ser uma sociedade empresária possibilita a implementação de uma inadimplência seletiva e estratégica, com a alocação do pagamento de parte do passivo dentro do caixa gerado pela própria empresa. Essa ferramenta aplicada na estruturação de dívidas possui como premissa gerar mais capital ou ajustar o fluxo caixa para a quitação de parte do passivo, invariavelmente enfrentando os credores.
Sendo uma associação civil desprovida do dinamismo de uma empresa, o clube nesse formato não possui a agilidade necessária para proceder uma blindagem do seu patrimônio e separação deste da sua operação, como uma empresa tipicamente realiza num projeto de administração de passivos, ficando totalmente exposto à penhoras e demais constrições patrimoniais e de valores.
Um Clube Empresa que adotar a forma societária de Sociedade Anônima pode se estruturar para uma oferta pública inicial (IPO) e abrir o seu capital na Bolsa de Valores (B3), captando recursos gigantescos entre seus torcedores através da venda de ações. Qual torcedor não gostaria de compra “pedaços” do seu clube por meio de papéis com valor nominal?! A título de exemplo, imaginem um valor de Flamengo ou de um Palmeiras listados na bolsa de valores (B3) nos dias de hoje e capacidade de captação de recursos que estas duas instituições teriam, haja visto o número de milhões de torcedores que possuem.
Sem sombra de dúvidas, a proteção que a legislação falimentar destina às sociedades empresárias alcança os Clubes Empresas. Nesse contexto, seria possível ao clube se valer de uma Recuperação Judicial e preservar o patrimônio e as receitas alocadas na associação civil, por exemplo.
Contudo, ressaltamos a possibilidade somente como exemplo, uma vez que um pedido de recuperação judicial deve ser a “última linha de frente” na administração de passivos.
Enfim, o sucesso na estruturação de dívidas de um clube de futebol quando este adota o modelo de uma sociedade empresária se percebe de maneira recorrente e regular.
Afinal, fazer tudo certo “fora de campo” não garante o resultado dentro de campo.
O jogo é jogado.
Porém, fazer tudo errado “fora de campo” traz, com toda certeza, o inevitável fracasso dentro dele.
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