O avanço da vacinação no Brasil gera questionamentos sobre como as empresas devem se comportar frente a funcionários que não querem se imunizar. Nesses casos, cabe demissão por justa causa?
Ainda há poucos precedentes sobre o tema, mas especialistas consultados pelo JOTA entendem que a dispensa ainda é a última alternativa do empregador, e deve ser avaliada individualmente.
Advogados têm recomendado às empresas conscientizar os funcionários sobre a importância da vacinação, divulgando, por exemplo, as datas e locais de imunização para os grupos que já têm acesso à vacina. Em caso de negativa de vacinação vale observar se o trabalhador trabalha de forma presencial ou remota antes de decidir sobre a demissão.
O tema já chegou ao Judiciário, apesar de o JOTA ter identificado apenas um processo sobre o tema. Em recente decisão, a juíza Isabela Flaitt, da 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul (SP), confirmou a demissão de uma auxiliar de limpeza de um hospital que se recusou a tomar a vacina contra a Covid-19 por duas vezes.
A juíza afirmou que a necessidade de proteger a saúde dos trabalhadores e pacientes do hospital e da população “deve se sobrepor ao direito individual da autora em se abster de cumprir a obrigação de ser vacinada”. A funcionária poderá recorrer.
O advogado Bruno Régis, sócio do Urbano Vitalino Advogados, explica uma peculiaridade do processo recente de São Caetano do Sul. “Tratava-se de funcionária de hospital que, em tese, está mais exposta ao vírus e que não justificou recusa para não vacinar. Não necessariamente será uma decisão aplicável a todos os casos”, diz.
Além dos casos de profissionais da saúde, advogados trabalhistas apontam que o empregador pode adotar medidas antes da demissão por justa causa. Ainda de acordo com Bruno Régis, o primeiro passo é conscientizar sobre a vacinação.
O advogado Leonardo Carvalho, do BVA Advogados, recomenda que os clientes incluam a vacinação da Covid-19 em seu programa de controle médico de saúde ocupacional (PCMSO) e regulamentem as políticas internas que visem a adesão de trabalhadores em campanhas de vacinação.
Além disso, Carvalho sugere que as empresas instruam os empregados e colaboradores sobre a importância das campanhas de vacinação, divulguem internamente as datas e locais mais próximos de vacinação gratuita (inclusive quando se tratar de grupos prioritários) e avaliem individualmente os casos antes de aplicar sanções.
Advertir o empregado por escrito, em caso de recusa à vacinação, e aplicar suspensão disciplinar são outros exemplos citados pelo advogado Fernando Cesar Lopes Gonçales, sócio e coordenador jurídico do escritório LG&P. Para o advogado, um fator a ser considerado para a demissão por justa causa é saber se o funcionário gera exposição de contágio aos colegas de trabalho e/ou ao público em geral.
“A recusa à vacina se enquadra nas hipóteses previstas na CLT para tal penalidade, especialmente por caracterizar os seguintes pontos: desídia, incontinência de conduta, ato de indisciplina, risco de ofensa à saúde das pessoas e perda da aptidão para desempenho das atividades em decorrência de comportamento doloso”, explica.
Se acontecer o contrário, ou seja, se o funcionário trabalha em home office ou em atividades que não exponham ele e outros ao risco de contágio, “o empregador não pode obrigar a imunização, mas deve incentivar a vacinação”, afirma Gonçales.
Ao JOTA, a juíza Noemia Porto, da 10ª Região, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), também ponderou que a recusa do empregado em se vacinar deve ser vista como legítima, ainda que criticável, em razão da crise sanitária.
Em uma corrida contra o tempo, em dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional a vacinação compulsória e definiu algumas balizas. Entre elas, o colegiado reforçou que a obrigatoriedade não pressupõe forçar a vacinação.
Logo depois, em janeiro, o Ministério Público do Trabalho divulgou um guia técnico para orientar a atuação dos procuradores. O documento chamou a atenção por prever a possibilidade de dispensa quando o empregado não der anuência para ser vacinado, sem apresentar justificativas. Para os advogados, ainda que não tenha efeitos vinculante e obrigatório, o direcionamento do MPT também pode contar na balança.
Mas antes mesmo do julgamento no STF, em outubro, o assunto já começava a circular na Câmara dos Deputados. À época, o deputado Aécio Neves (PSDB) apresentou um projeto de lei para tratar das penalidades a quem recusar ser vacinado. O PL 5040/2020 prevê que a pessoa que negar a vacinação será punida com as mesmas regras contra quem não vota nas eleições. Ou seja, a pessoa que não se vacinou não pode se inscrever em concurso para função pública, é proibida de obter passaporte, de tomar empréstimos com autarquias etc.
“A tarefa do Estado, ao determinar a vacinação, é proteger o direito de todos à vida, e sem esta evidentemente não há sequer opinião, quanto mais direitos. Quem recusar-se à vacinação estará agindo da mesma maneira que aquele que se recusa a participar das eleições. Este não é local nem momento para discutir a obrigatoriedade do voto”, justificou Aécio.
Com o início da vacinação pelo país em 2021, dois deputados do PSL apresentaram projetos sobre imunização e demissão. A deputada Carla Zambelli (PSL) levou ao Congresso o PL 149, que quer proibir a justa causa do empregado que optar por não receber a vacina contra a Covid-19. Como justificativa, a parlamentar afirma que deve prevalecer a liberdade de escolha do trabalhador em se submeter às vacinas que “foram produzidas em tão curto lapso temporal”.
O projeto da deputada propõe ainda que seja considerada discriminatória a dispensa sem justa causa que tenha como motivação comprovada a recusa do empregado à imunização.
Foi apensado para tramitação conjunta o PL 158/2021. De autoria do deputado Daniel Silveira (PSL), o segundo projeto apresentado quer proibir que o trabalhador seja obrigado a ter se vacinado para ser admitido ou mantido no emprego. O PL 158/2021 foi apensado para tramitação conjunta com o de Zambelli.
Tanto Zambelli quanto Silveira se ancoram na falta de previsão expressa na lei sobre os temas. A primeira aponta que não há definição de que a recusa em imunizar é falta grave. O segundo afirma que não há regra jurídica que determine que o trabalhador deve ser vacinado para se manter no emprego.
“A inexistência de norma legal que determine uma conduta contrária à vontade do cidadão não pode, portanto, levar um ator privado — o empregador — a criar tal determinação”, justificou Silveira em seu projeto.
Os PLs estão aguardando parecer da relatora na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). Ainda não há previsão de votação.
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